O colector da literatura oral e popular arrisca-se cada vez mais a tomar como popular o que é só de um ou de poucos informantes, dando como memória colectiva o que é memória individual; a tomar como eminentemente oral o que já circulava melhor em suporte escrito (até em livro de Eugénio de Andrade); a tomar como antigo o que foi transmitido dias antes pela rádio ou pela tv; a tomar como genuinamente local ou regional o que foi traduzido e adaptado, às vezes por um viajante ou por um emigrante. E arrisca-se a encontrar frases soltas, fragmentos de fados ou cançonetas, slogans políticos, fórmulas publicitárias e restos de poemas lá onde esperava encontrar textos testados pelo uso de gerações e gerações, agravando-se assim a já difícil tarefa de classificação ou ordenação da colecta.
Nalguns casos, talvez o colector se veja perante textos que configuram um novo cancioneiro popular. Mas a verdade é que também a designação "cancioneiro" parece cada vez mais problemática. A relação da palavra e da música que a justificou, e que justifica a sua associação a outras designações abrangentes ou específicas como "cantigas", "cantares", "cantos", "canções", ou ainda "modas", "modinhas", e até "trovas", e até "quadras", só afecta hoje uma pequena parte - importante, sem dúvida - da poesia popular oral. Evidentemente que poderá haver sempre pertinência no uso metafórico do "cancioneiro"; mas a poética oral e popular canta cada vez menos salvo nas inúmeras canções que o comércio e a indústria discográfica mais do que a criatividade vai propondo ou impondo às comunidades, e que às vezes nem se dizem "populares" porque se dizem "pop".