Há vinte e três anos que eu vivi em sua companhia. Lembra-se daquele incorrigível rapaz de catorze anos, que ia à venda da Serra do Mesio jogar a bisca com os carvoeiros, e a bordoada, muitas vezes? Esse rapaz sou eu; é este velho, que lhe escreve aqui do cubículo de um hospital, muito vizinho do cemitério dos Prazeres. Eu sou aquele a quem padre António de Azevedo ensinou princípios de solfa, e as declinações da arte francesa. Sou aquele que leu em sua casa as «Viagens de Ciro», o «Teatro dos Deuses», os «Lusíadas», «As Peregrinações de Fernão Mondes Pinto», e outros livros, que foram os primeiros. Sou aquele que, sem saber latim, rezava matinas, laudes, terça, sexta, etc., com padre António. Sou, finalmente, aquele, a quem padre António disse: – «O tempo há-de fazer de você alguma coisa.» Passados vinte e três anos, como eu acabasse de escrever o meu quadragésimo segundo volume, lembrou-me dedicar-lho, meu venerando amigo, e rogar-lhe que peça a Deus por mim.